sábado, 8 de agosto de 2009

Antes do Baile Verde - Lygia Fagundes Teles




Antes do baile verde, livro de contos de Lygia Fagundes Telles, publicado em 1970, é uma das obras mais marcantes da carreira da autora. Os contos inseridos nesta coletânea foram escritos entre 1949 e 1969. Nesse sentido, um pensamento inicial pode recair sobre o questionamento de haver ou não evolução qualitativa e conseqüente amadurecimento do autor, resultantes de vinte anos de investida criativa.Os temas são considerados o ponto forte deste trabalho de Lygia, principalmente ao se observar o período em que foi concebido. Adultério, insatisfação conjugal, desmistificação dos papéis familiares – talvez possam ser considerados temas banais, exaustivamente explorados. Entretanto, a autora abordou-os há meio século, época em que a família conjugal é o modelo dominante e que a autoridade máxima na família é conferida ao pai, o chefe da casa, “e garantida pela legislação que incentiva o moralismo tradicional, a ‘procriação’, o trabalho masculino e a dedicação da mulher ao lar”.A narrativa de Lygia apresenta grande agilidade. A autora utiliza linguagem clara, concisa, descartando tudo o que poderia ser considerado desnecessário para a ficção.
Na introdução de Antes do baile verde, a autora explora obstinadamente o desencontro das personagens, expõe a face dramática das fraquezas humanas, veda os caminhos da redenção. São trechos levam o leitor a refletir sobre as inquietações do ser humano, colocando-o frente à frente com as aflições do cotidiano, fazendo-o sofrer com o desajuste e o desamor vividos pelas personagens

O menino

A família apresentada por Lygia Fagundes Telles neste conto é constituída pelo pai – referido como “doutor” –, o “chefe de família” que passa o dia trabalhando e volta à noite para o lar; a mãe, jovem e bonita, a “rainha do lar”, e um único filho (o que era típico das famílias de classe média da época). Na casa trabalha uma empregada doméstica.
As personagens saem de casa e encaminham-se para o cinema. Mãe e filho percorrem o trajeto a pé, de mãos dadas. A mulher anda apressadamente, o menino fala sem parar.Durante a caminhada até o cinema, o menino sente-se orgulhoso por estar ao lado da mãe, quer exibi-la aos colegas. Delicia-se porque a mãe de Júlio é “grandalhona e sem graça, sempre de chinelo e consertando meia”. Nesta parte do conto, tem-se o auge da felicidade do menino.
Ao chegar ao cinema, a mãe passa a se comportar de forma estranha, incompreensível. A mulher perde toda a pressa, o filme já começou e ela não quer entrar na sala de projeção e, quando finalmente se decide, escolhe um dos piores lugares. O menino fica irritado, não consegue entender-lhe o comportamento. Na escolha dos lugares, mais um índice de antecipação de desfecho: se eles são apenas dois, porque ela indica para o filho “os três lugares vagos quase no fim da fileira”? Um homem chega e senta-se na poltrona vazia, ao lado da mãe. O menino não pode mais trocar de lugar. “Agora é que não restava mesmo nenhuma esperança”.A mãe explica a história do filme ao filho. O leitor percebe, então, que a mulher já conhece o filme – ela mentiu para o filho ao afirmar que não sabia qual a fita que iriam assistir. A atitude da mãe foi de dissimulação, justificada pelo motivo que a leva ao cinema (seria preferível ir à projeção de um filme já conhecido). Além disso, ela queria a companhia do filho – o menino serve como um álibi – e, assim, não revela que estão indo ver um filme de amor (para não correr o risco do menino recusar-se a acompanhá-la). Ela é uma mulher astuta, articula o plano pensando em todos os detalhes.
É justamente neste ponto da narrativa que se chega ao clímax. Ocorre o impacto da descoberta: “Então viu: a mão pequena e branca, muito branca, deslizou pelo braço da poltrona e pousou devagarinho nos joelhos do homem que acabara de chegar”. No instante em que o homem se levanta para ir embora, o menino sente vontade de enfrentá-lo. “Fechou os punhos. ‘Eu pulo no pescoço dele, eu esgano ele! ’”. Quer brigar com o homem, mas percebe que não pode. O menino sente-se impotente. “Aquele contato foi como ponta de um alfinete num balão de ar. (...). Encolheu-se murcho no fundo da poltrona e pendeu a cabeça para o peito”.
Ao entrar em casa, o menino entra em pânico, acha que alguma coisa terrível vai acontecer, mas tudo está normal, como sempre. No desfecho do conto, o menino não toma nenhuma atitude, não conta o que aconteceu, não denuncia o “adultério” da mãe. Identificase com o homem, sente a sua dor: ambos foram traídos. Tudo permanece aparentemente como antes – só quem sente a mudança e a dor que ela traz é o menino.O conto O Menino pode ser considerado uma narrativa de aprendizagem. O protagonista passa por uma experiência dolorosa, que faz com que perca a inocência típica da criança e, além disso, veja ruir a imagem da mãe, o ídolo que adorara até então. O início do amadurecimento é acompanhado pela necessidade de também aprender a usar as máscaras sociais que todos usam, no dia a dia: assim, o menino omite os acontecimentos, não os revela para o pai.

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